Escrevi e pesquisei bastante sobre o
tema, em especial quando jovem, porém, sem ter logrado uma explicação
satisfatória. Refiro-me a uma cerimônia que ocorria em Itiúba, minha cidade natal, durante a chamada Semana
Santa. Soube que além de Itiúba
ela ocorria também numa cidade do Maranhão, de nome Bacabal. Únicos casos no Brasil.
Alguns chamavam de “Serra a Véia”, outros, “Serra a Velha”. Quero crer que
sua origem vem da Europa e foi estimulada secretamente pela igreja católica.
Explicamos depois.
Pois bem, é possível que a denominação
venha de uma corruptela da palavra serralho
que também significa além de harém, palácio da Turquia, os significados de prostíbulo,
lupanar, mulherio, puteiro, etc, etc.,
Pode também ter sua origem na palavra “cerrar” que é o mesmo que encerrar, trancar, prender, etc.
Então, graficamente, defendo, embora não
seja linguista nem especialista na língua, que podem ser usadas as duas formas
absolutamente aplicáveis à espécie, “Serra
a Velha” e “Cerra a Velha”.
Em que consistia?
Em Itiúba
era uma cerimônia que acontecia durante toda a Semana Santa. Juntava um
bando de senhores e rapazes de todas as classes sociais para “cerrar” ou “serrar” os que estivessem ou vivessem em estado de amaziamento
(concubinato), seja escancaradamente ou não. Munidos de chifres de bois serrados
na extremidade e transformados em instrumentos de sopro, muitos dias antes ecoavam
pelos ares de Itiúba como um chamamento e convite. As pessoas se reuniam e
partiam aleatoriamente para as casas adredemente preparadas, e, em lá chegando,
em silencio inicial, as pessoas tocavam instrumentos rústicos e improvisados,
como cabaças, serrotes, daí o nome possível do verbo serrar, tendo os candidatos as portas cerradas do também verbo, cerrar, uma vez que eram amarradas as portas, pelo lado de
fora, com arames cedidos pelos filhos do senhor Joaquim Brandão Cirne, que furtavam
do depósito do pai, então guarda-fios dos Correios e Telégrafos, sem que soubesse,
nas pessoas do hoje falecido Mario B. Cirne e do Max B. Cirne, seu irmão.
Os folgados tocavam os búzios (chifres
de touros), tocavam reco-recos, violão, pandeiro, e, usavam serrotes, cabaças e
outros, enquanto diziam um monte de impropérios a guisa de aconselhamentos,
instava-os ao casamento para que abandonassem o amaziamento, pediam que a
mulher trouxesse isto e aquilo (impublicável), provocando o despertamento dos
encerrados na casa, muitos gritos, xingamentos e, não raras vezes, tiros.
Os acompanhantes davam risadas da
miséria alheia, à distância, na prudência, muitos disfarçados, sem se darem a
conhecer entre si. Confesso que certo dia, sem querer, descobri meu velho pai
naquela confusão, deixando-o bastante desconfortável, ele que era um homem de
moral inatacável
Pode-se considerar que a igreja
católica ficava silente, pois, como bem sabemos, ela pregava e ensinava que as
pessoas não podiam nem deviam viver em estado de amasiamento, tendo de se
casar, única forma de acesso e aceitação social, além de permitir que a igreja
arrecadasse dinheiros pelo sacramento do casamento, ou seja, o pagamento.
Fiz isso até ali pela altura dos meus
19 anos. Depois, em férias na cidade, ouvi tocar os búzios na semana Santa, mas
deixaram de realizar. Os mais espertos, embora amasiados, costumavam se juntar
na maior cara de pau aos serradores, evitando, desse modo, na esportiva, ser serrados,
pelo que davam risadas e eram respeitados. Pessoalmente corri muito já que, os
serrados, de todas as classes sociais, alguns nervosos atiravam mesmo, mas
nunca se registrou que eu saiba uma só morte. Foram notórios os homens que
viviam nesse estado civil e foram serrados. Muitos pais de amigos nossos, mas
que eram serrados independentemente da situação financeiro ou social.
O folguedo se acabou por conta de um
juiz de direito de sobrenome Libório. Deu-se que o juiz ao chegar a Itiúba se
amigou com uma senhora que fazia caridades
amorosas. Tendo o mesmo se amasiado, digamos a bem da verdade, com a
senhora da sociedade recém separada do seu marido, nascendo uma criança dessa
pecaminosa e proibida consorciada união que terminou por dar grandes dores de
cabeça ao ilustre magistrado. Porém, magistrado também é gente, e, como gente, tem
seus pontos fracos, sente os apelos da carne em chamas, a força voluptuosa do sexo
embrasado (rsrsrsrsr). Temendo ser serrado, o juiz acabou a festa que era uma
coisa cultural. Soube nas minhas pesquisas de verdadeiras e recatadas senhoras,
que em segredo, e em grupos pequenos, acompanhavam disfarçadas de homens para
assistirem e darem muitas risadas, a distancia.
Senhores circunspectos, os mais acatados
na sociedade, faziam parte daquela brincadeira. Era divertido naqueles tempos.
Tempos de lobisomens, mulas-sem-cabeça,
mulas-de-padres, que pululavam nas madrugadas cinzentas de Itiúba, uivavam
para a lua, buscavam criancinhas pagãs para comerem, assim como as mulinhas, procuravam os seus padres, e,
as mulheres que cederam à voragem da carne com os padres, se penitenciavam nos
horrores da maldição das infiéis, se espojavam nos espojeiros dos animais e se
perdiam pelos becos e vielas, na escuridão dos anônimos alegres, em busca de
aventuras proibidas, nas quebradas das madrugadas frias, num tempo que um motor
de luz Caterpillar apagava exatamente às 22h00min horas encerrando a noite da
sociedade aberta e levando às encruzilhadas dos becos apagados e ruazinhas
tristes e mal afamadas pelos pecadores da mocidade os boêmios indefectíveis
dessa existência.
Eu vi. Eu estive lá.
Max Brandão Cirne é historiador formado pela PUC-Rio e Advogado
formado pela UFBa.
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