O que você quer saber sobre História?



Este blog tem como objetivo discutir História, postar artigos, discutir assuntos da atualidade, falar do que ninguém quer ouvir. Então sintam-se a vontade para perguntar, comentar, questionar alguma informação. Este é um espaço livre para quem gosta de fazer História.

sábado, 2 de julho de 2011

JANUÁRI O CAÇADOR ACOVARDADO OU O ENCONTRO COM O LOBISOMEM. (PARTE II).

Intrigado estava enquanto tentava no seu juízo identificar que animal seria. Arguto, descalça os pés sobre a graminha de presépio ao redor da pedra, tira o chapéu de palha e começa a escalar a pedra até que chegasse ao topo. Levanta a cabeça colada à pedra, já agora perfeito dono da situação, avança a espingarda para a frente, já engatilhada, apóia a enorme coronha no ombro direito, apruma-se deitado em posição de tiro, avista primeiro a copa frondosa da umburana de cheiro, sés lhos vã se abaixando, avista a galharia coberta de flores, divisa o tronco vermelho e verde descascado e para atônito com o que vê, passa a esquerda mão sobe s olhos, prende a respiração, o coração peã primeira vez parece querer arrebentar o tórax, aumentam as batias, agora pareciam maiores como a querer sair pela boca, a vista escurece, a espingarda lhe pesa uma tonelada, não suporta o peso, encosta-a com muito esforço sobre a pedra, imobilizado está, imobilizado fica, braços tremem, mãos suam copiosamente, sente aproximar-se da vertigem, dá um rápido passamento, escorrem suores,a cabeça coça, o sangue fervilha, a boca esgana para um choro impossível de ser contido pelo velho caçador.

As onças perigosas que caçou pareciam agora brinquedos de crianças, sente que a urina lhe escorre pela calça e a cena dantesca crava no cérebroe lhe impregna até a alma. Num espaço curto, porém que lhe parecera um século os fatos se desencontram no consciente e, onde jamais conhecera o medo sente que adormecera sobre a pedra, não de sono, mas de horror. Desmaiara mesmo de verdade. Recobra os sentidos, dobra o corpo para trás, os olhos agora não se dirigiam para a cena monstruosa, mas para o pé da pedra a procura de uma vassourinha,desespera-se por não encontrá-la naquele ermo, pois era preciso desencantar o bicho. Olha novamente para a pedra aonde deixava escapar um sussurro.

Lá estava um macho e uma fêmea. Não um casal comum e normal. De quatro pés parecendo uma cadela apoiada sobre as patas estava um misto de animal e humano. Sobre a cadela ajoelhada estava um dantesco animal, costas peludas, o rosto coberto de pêlos terríveis sustentado por um pescoço descomunal em grossura, pelas costas, fios e pêlos de bode escorriam até encontrar as nádegas do animal. As pernas menos cabeludas deixavam ver perfeitamente pés humanos no terminal do corpo. O animal cruzava com a fêmea coberto de pêlos, mas nas nádegas não tinha pêlos. As coxas do animal fêmea deixavam transparecer ser mais uma mulher. Mas era impossível, pois grunhia e sacuda a cabeça, as peludas mãos com imensas e unhas seguravam-na pelos quadris enquanto enorme falo entrava e saia em movimentos rudes e rápidos, deixando o macho a balançar medonhamente a cabeça para os céus por entre o encopado da umburana de cheiro, rosnando ameaçadoramente.

Januário agora estava mais calmo dirige a espingarda na direção do bicho, fecha o olho direito na pontaria insegura, grita pelo nome de Jesus, o bicho estanca os movimentos, a fêmea vira a cabeça, mas sem deixarem a posição, enquanto um tiro ecoa na ermidão da noite que se anunciara. Um baque surdo e um grunhido de cachorro ferido, depois um urro como que vindo das profundezas da terra. Sem tempo para recarregar, ainda procura no fundo da capanga atulhada de rolinhas e juritis, procura lá no fundo, tateando, o polvorinho, com dificuldade encontra-o, as mãos estão agora empapadas de sangue, deixa cair o polvorinho sobre a pedra, este rola ao pé do monólito bloco, dá um salto, apanha-o, despeja uma grane quantidade imensurável, não sabe quantificar e, no desespero coloca a bucha, apanha a vareta, soca a pólvora que não dá para colocar nova bucha, deixa lá mesmo a vareta da espingarda dentro do cano, puxa o cão, trepa rapidamente na pedra, os animais começam a se afastar de costas, medonhos, terrificantes, apavorados, ameaçadores olhando para o alto da pedra. Agora Januário já está em pé sobre a pedra. Sua estatura gigante se avoluma conta a penumbra enquanto a figura se desenha contra o negror da noite. Chama por Jesus Cristo, mira rapidamente e um novo e medonho urro ecoa nas serras enquanto o animal se debate, a fêmea procura fugir, plantas ao derredor ficam amassadas pela luta parecendo fatalmente atravessados com a vareta de socar a espingarda, urros apavorantes cortam o mundo e o animal se afasta rapidamente do local deixando as folhas farfalhantes e ramos quebrados ao impacto dos corpos em agonia.

Desce rapidamente da pedra e empreende a descida da ladeira da Serra o Cruzeiro em desabalada careira, até alcançar a ponta da rua completamente esbaforido e apavorado além de trânsido de medo, mas procura acalmar-se um pouco mais até alcançar a sua casa. Sabia que ninguém acreditaria nele quando contasse às pessoas, por isso mesmo conta apenas à mulher enquanto lavava os pés num gamelão de baraúna feito pelo Zé Reis, pois caçador que se preza na toma banho diariamente. A mulher pasma, não queria acreditar no marido.

Naquela noite os dois contritos rezaram o Ofício das Almas e um coroinha foi chamado para ler, na sua casa com alguns vizinhos, as Horas Marianas. Um breviário foi retirado do velho baú depositado lá por muitos anos e sem serventia que justificasse sua reativação e uso em outra ocasião que não aquela.

Ofícios e ladainhas ecoaram na casa de Januário quando um visitante chegou comunicando que Esaú havia caído numa moita de sisal furando o olho esquerdo. Isaltina estava toda furada de espinhos inflamados, pois na agonia de ver seu pai caído na moita, todo espetado, foi em seu socorro, ferindo-se, embora mais levemente.

Daquele dia em diante Esaú toda vez que passava por Januário falava umas palavras sem compreensão. Januário cismou que era Esaú e sua filha Isaltina. Esta, por sua vez, lhe fez vários convites para dormirem juntos ao que o velho caçador sempre se recusava. Esaú ficou cego e Isaltina ficou marcada na altura do joelho para sempre e, quando estava com os seus amantes lhe perguntavam o que lhe causara aquele corte de tão feia cicatriz, Isaltina fazia de contas que não ouvia, fazia muxoxos e mudava de conversa.

Januário desistiu de caçar. Aposentou a espingarda lazarina. As onças não mais existiam e só se aventurava caçar pelas redondezas do pasto do Valadares, às pequenas e saborosas rolinhas. Nos meses de março e abril não mais saía, nem até mesmo no fundo do quintal da casa.

Esaú e Isaltina cumpriam a sina triste e amaldiçoada de, a cada ano, a cada quaresma ou época perto da quaresma, agonizarem no seu pecado, transformando os dois em animais amaldiçoados. E para desencantá-los seria preciso que o caçador tivesse encontrado uma folha de azedinha ou de vassourinha, apanhá-la e colocá-la na boca do cano a espingarda. O olho esquerdo de Esaú, agora cego para sempre com o tiro dado com a vareta lhe vazara a córnea, mas não o matou nem quebrou o encanto mandingueiro. Continuava encantado.

Mas nas noites de lua cheia todos os anos, principalmente nas quaresmas, lá estava na frente da casa do Januário um enorme cachorro, a rodear e a grunhir até o dia clarear. Januário já velho e alquebrado pelos anos, quase sem visão, aposentou sua espingarda para sempre. A luz rubra do candeeiro atestava dento de casa o pavor que sentia Januário que rezava nessas noites o Ofício e suas ladainhas.

*** Itiúba, 1969

JANUÁRIO O CAÇADOR ACOVARDADO OU O ENCONTRO COM O LOBISOMEM (Parte I).


Januário não era mais caçador de onças, porquanto elas não mais existiam, pelo menos em abundância como n’outros tempos em que as bichanas não deixavam garrote nem bezerros pastarem mansamente sem um ataque. Lá estava ele figura imponente na Serra do Encantado comendo uma farofinha que a mulher lhe preparava para o repasto do marido que se levantava todos os dias às quatro horas da manhã, colocava a grande sacola nos ombros, facão dezoito polegadas na cintura e a espingarda lazarina que já havia matado mais de quinze onças.

Sentado sob um pobre rancho de espera lá estava aquele homenzarrão a lamentar com o seu irmão Marinho os dias difíceis sem onças e sem outras caças. Suas armadilhas como o mundéu, só pegavam, agora, gambás, guaxinins e sariguês num repetição enervante,pois que, de nada lhes valia e sem serventia, por não terem valor comercial, Seus couros não eram comercializados suas carnes não se aproveitavam para a venda. Lembrava quando ia vender carne de onça vermelhona a escorrer sangue empapando as pedras do açougue enquanto o povo curioso ia comprar muito mais por curiosidade do que pelo sabor. Falava ele suas lamentações atribuindo o desaparecimento dos belos animais à imprudência dos caçadores e aos circos de feira que aprisionavam filhotes e fêmeas grávidas, de modo que ele muito bem sabia que essas coisas não podia mesmo dar certo.

Vindos de uma família de caçadores, Januário e Marinho eram espécimes em extinção. Cheios de raça e fibra, eram além do mais, apalavrados, mesmo sendo pobres. Variavam a caça com a plantação de mandioca e outros. Januário comprazia-se em contar casos da pintada que deixou a mão direita na arataca indo embora, permitindo calcular que a bichana pesava entre oitenta e cem quilos bem distribuídos, tendo ele guardado a pata por muitos anos , exibindo-a aos amigos e visitantes curiosos que iam até a casa humilde do caçador. Pitando seu cigarrinho de fumo-de-corda que babava olhar perdido na caatinga braba, fitando o passado invisível, o irmão Marinho apenas ouvia a voz do Januário como num lamento. Certamente os dois sabiam que o tempo não retrocederia no espaço nem as onças voltariam mais a comer bezerros e nem os fazendeiros os convidaria como valentes honrados e cavalheiros das caatingas a desafiar, sem medo as temíveis onças. Não as suçuaranas que são mansas e não atacam as pessoas, a menos que sejam encurraladas na toca acuadas por ferozes cães onceiros.

Nunca se esqueciam de presentear a dona do mato na sua sabedoria simplória, dizendo que se a caapora não fosse adulada correria dalí com a caça. Lá estava o mundéu armado com isca de gambá, mais exatamente o patuá, a esperança não de onças, mas de gatos pintados ou mouriscos que servia para uma boa canja a noite, preparado pela mulher além de ter o couro valioso que seria vendido na feira do sábado.

Sítios outrora ricos de animas, agora era a desesperança, pelo sumiço. Sua esperança era ainda a de apanhar uma baita onçona daquelas no mês de março pois passariam uma semana sem armar nada em respeito à semana santa e as chagas de Jesus Cristo, celebrando na passagem da quaresma. Após muitas reflexões resolveram como sempre faziam, separar-se até o outro dia quando se encontrariam a noitinha já em casa.

Pegou Januário um atalho por uma pequena vereda onde tentaria alcançar o caldeirão da laje do Cruzeiro esperando encontrar no bebedouro algumas juritis e codornas contando com o sol a pino que é quando os animais vão beber.. Sege pelas veredas só por ele conhecidas, dando tiros, pequenos tiros, não mais tiros estrondosos daqueles que só serviam para abater pequenos animais como as codornas e nhambus. Na aguada d cadeirão de pedra encontra muitas rolinhas fogo-pagô, branquinhas, caldo-de-feijão, azul, vermelha e muitos juritis e cardeais e outros passarinhos que na serviam para pagar um tiro. Nessas ocasiões escondia-se por detrás e entre as pedras circunvizinhas impiedosamente começava a badogar os passarinhos que sequiosos pousavam para matar a sede. As balas de barro caíam sobre os pássaros fazendo um verdadeiro estrago. Sua estratégia consistia em não permitir que o animais bebessem da água de fora que, ao tombarem sobre a laje quente do caldeirão e as penas voarem, espantavam as demais voando para a galharia ao derredor, mas fazendo o instinto de preservação da vida e a sede, com que retornassem para beber água do caldeirão. Novas badogadas, novas revoadas até que satisfeito ia recolher os muitos mortos, operação rápida uma vez que a grane quantidade fazia os demais ariscos e arreios, demorando-se muito em intervalos para retornarem a aguada.

Rápido, muito rápido sai de detrás das pedras, recolhia aos mortos, alguns ao pé do lajedo debatendo-se mal feridos, mas sem salvação nem escapatória, sempre deixando estes por último uma vez que bebedouro e animais abatidos deste modo atraem, também, o terrível cascavel de sete ventas para o repasto. Quando tal acontecia ele simplesmente se limitava a acocorar-se sobre a laje do caldeira e observava atentamente os animais se debatendo na agonia da morte, ensangüentadas, à procura da vida que se esvaía.

De repente os olhos do caçador divisaram um enorme jaracuçu encovado ao pé da laje,enrodilhado à espera de algum incauto. Um tiro da lazarina ecoou na ermidão da serra. O jaracuçu enorme desenrodilhou-se quase todo ao impacto do chumbo quente e fico a revirar sobre o corpo, morrendo sem escapatória. Januário apanhou um pedaço de madeira cortado com o dezoito polegadas, enfiou-o por baixo da barriga quase dividida, suspendendo-o no ar procurando medi o tamanho e em seguida se dirige para uma pequena lapa no lajedo aí depositando o imenso bicho que haveria de apodrecer sem perigos das suas espinhas estrepar alguém que por acaso caminhasse descalço por aqueles sítio. Retoma, apanha nove rolinhas e dois juritis que mal feridas acabaram de morrer embaixo do lajedo em sua extensão. Faz os cálculos. A capanga de caçador já estava pesada. Calcula que já tem aproximadamente quarenta e cinco animais caçados, isto fazendo-o pelo peso do alforje de caçador.

Em passo lento e firme atravessa a roça de feijão de corda do seu compadre Tonho de Maricota, evita pisar nas aboboreiras em flor, as melancieiras estão carregadinhas de flores amarelo ouro e o milho pendoado é um espetáculo com seus espigões cobertos de cabelos dourados brilhando ao sol da tarde. Toma o caminho principal por onde todos transitavam para subir até a Serra do Cruzeiro, desce lentamente e preguiçosamente pensando em quanto apuraria para a feira de sábado após mandar , depois de semi moqueados, um menino vender na estação do trem aos viajantes passageiros. A noitinha já se anunciava, lá de cima via que as primeiras luzes da cidade já se acenderam. Em menos de meia hora estaria em casa e, embora não trouxesse naquele dia um gato do mato, levava a certeza de uma caçada relativamente boa que servia para fazer dinheiro. De repente seu ouvido de caçador experimentado o faz estancar o passo. Eva a mão em forma de concha a uma das orelhas. Não consegue distinguir o sussurro nem identificar qual animal causava tamanho barulho. Pensou a princípio ser algum porco brabo. Retira do ombro a espingarda lazarina, engatilha-a, vai na direção do barulho e... pé ante pé lá vai Januário olhar fito na moita, barulho aumentando na medida da aproximação. Na sua frente uma pequena pedra de mais ou menos três metros de altura por uns oito de comprimento e mais uns cinco de largura obrigaria a fazer o contorno. O caçador está intrigado. Pensa nos porcos brabos que perdiam a domesticidade após fugirem dos quintais da vizinhança e ganhavam aquelas serras enquanto começa a inzonar quão bom seria se acertasse em algum para vender no açougue, apurando melhor dinheiro. Resolve então que não deveria contornar a pedra cheia de restos de limo preto, preferindo escalá-la e surpreender o bicho lá de cima ao mesmo tempo que fugiria do faro do animal que fatalmente seria a sua escapatória.

*** a seguir