O tempo, este
nosso companheiro implacável, possui a celeridade do átimo existencial. Porém,
não se possibilita para enfraquecer as lembranças, sejam elas boas, sejam elas
más. Assim e agora, levanto-me do sono, nesse despertar que se parece muito
mais uma ressurreição, como muito bem o disse Exupéry, instando-nos a levantarmos com um sorriso com as mais
vívidas recordações de um tempo que se esvai na bruma do passado.
Vêm a mim a
mais profunda recordação de uma fase da minha existência em Itiúba, idos da
década de “60” em que reis, princesas, mulinhas, lobisomens e outros seres do
imaginário pululavam e às vezes alegrava; outras atanazavam as vidas e as existências
apegadas ou não ao supersticionalismo.
Lembro-me de um
pequeno grupo misto de pessoas, homens e mulheres; de todos os naipes e de
todas as idades tocando pandeiros, violões, violas e reco-recos, a andarilhar
pelas ruas mais humildes de Itiúba entoando belos cantares em que os cantantes
se revezavam em versos tão bem rimados, mas de uma beleza e sonoridade
verdadeiramente palpitante.
Lembro-me do
grupo chegando todos os anos, adredemente avisados meus pais, na alta madrugada
à porta da minha casa. Entre cantos de “aviso da chegança” entremeava como
parte do ritual, certo tempo que era como se fosse um aviso aos da casa para
que se aprontassem e se preparassem para recebê-los.
Primeiro
tinha o ritual depois de um lapso temporal, em que o dono da casa acendia o
candeeiro, o fifó, ou a lamparina como aviso de que iria o grupo ser recebido e
que as pessoas davam desse modo, as boas vindas aos cantantes da folia de reis.
Em seguida, a
porta era aberta, ocasião em que entre cantos e versos os cantantes da folia
pediam permissão ao dono da casa para que a adentrassem. Tinha a hora exata de
abrir a porta. Adentrado o grupo às dependências, efetuavam cantorias as mais
belas, ecoando nas cercanias e na negridão das noites sem lâmpadas e sem
estrelas o planger livre e o tanger de versos doloridos daquela gente saudando
o” Menino Jesus”. Seguiam-se, para os que podiam o servir vinhos e
cachaças que sorviam com sofreguidão.
Finalmente a
hora da oferenda além das bebidas e que consistia normalmente em pequenas
quantias em dinheiro sob a desculpa de ajudar a pagar as roupas e adereços que
ainda deviam nas lojas e fornecedores da cidade.
Por fim, e,
como último ato, cantavam despedidas pedindo aos donos da casa, portanto aos
recepcionistas, “permissão” para que se retirassem. Normalmente e usualmente
usavam introduzindo nos versos, os nomes do dono da casa, algumas vezes, os
filhos. Lembro-me de versos que diziam sobre minha mãe: “Sá Maria, Sá Maria, é a flor, é a flor da laranjeira” e assim sucessivamente. Elogiavam o marido também,
enfim era uma bela festa que não resistiu ao tempo, pelo menos nos sertões de
Itiúba.
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