Quem nasceu numa
cidadezinha perdida lá nas curvas do vento onde o tempo parece ter parado,
sabe, com certeza, do que estamos falando. Conversa séria e densa, não dessas
tenras, das criancinhas desavisadas que desconhecem o gosto das coisas. “Bolachinha” é coisa séria, muito
séria! Mas não se trata de alimento feito na base de farinha de trigo.
Não; “Bolachinha”
é nome sagrado, amado, acalentado, e trás milhares de recordações doces que se
embalam nos sonhos pueris, juvenis e da anciedade (velhice), que se despede dia
a dia, nesse despedir-se sem limites, nesse plantar de cruzes, nesse apego
terrível que temos de lotear e encher cemitérios, nesse apagar terrível de
memórias, nesse desaparecer dolorido de vidas, nesse pagar preço de dívida que
é a morte, nesse despedir-se terrível da vida e da existência, nesse desafiar e
desfiar saudades e recordações, e nesse sepultar incansável das coisas boas.
Mas devem ser
sepultadas. As páginas dos livros precisam e devem ser lidas. É a renovação.
Devemos, pois,
nos recordar, embora coretos, dobrados, polcas, marchinhas, valsas de Viena e
outros não possam ser alcançados, pela finitude das coisas que desaparecem na
inexorabilidade existencial. Namorar, beijar, sonhar e acompanhar a bandinha de sapatos novos e de roupa
nova que as mães faziam para os filhos e filhas, nas datas festivas, tudo para se
esparramar na praça, nos coretos, ou acompanhar a “Bolachinha” com as tocatas de Mestres
Bugué, ou de Mestre Evilásio com
seus músicos itiubenses.
Namorar
escondidinho, sem luzes e sem testemunhas ao som da “Bolachinha”, apertar a conterrânea namoradinha nos escurinhos, dar
os primeiros beijos e arrochar as cabrochinhas dos sertões, são coisas que a
vida não mais pode repetir. Tornaram-se ícones, sacrários e relicários, cuja
menção não se permite por impuros lábios. Era uma delícia! Duas belas coisas:
namorar e ouvir a bandinha lá distante no coreto da praça, seus músicos de vez
em quando engolindo fartos goles de cachaça ou cerveja, tudo escondido de Mestre Evilásio.
É claro, que
só nomear e titular a crônica, quem de Itiuba é, ou foi, já sabe que estamos
nos referindo e evocando em saudade dolorida, marejados olhos e angustiado
coração; a bandinha marcial de Itiúba tanto tempo regido pelos Maestros que fiz
referência.
Quando
criança, acompanhamos com elevado espírito de bondade e admiração. Adulto e
dirigente da Igreja Batista em Itiúba, sendo a esposa de Mestre Evilásio membro da nossa Igreja, muitas vezes ele se
ofereceu gratuitamente para tocar dentro do nosso templo. Como era belo!
Quase todos se
foram. Quem não se foi, está em franco processo de despedida. Malas já prontas
esperando o trem que se aproxima. Tudo muito de repente. Outros, nem se
despedem de tão apressados. Outros logram lamurientos, perpassar dias. É. Temos de ir. Um dia arrumamos as malas,
nos despedimos, se dá tempo, e partimos.
Mas aquele
dobrado de um dia oito de dezembro de um ano qualquer, longe, distanciado,
perdido e esquecido no passado não se apaga da mente de quem um dia ouvi a Bolachinha do Mestre Evilásio.
“Tempus fugit regit orbe”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário