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segunda-feira, 20 de junho de 2011

MORTE EM SÃO PAULO

Carlito, passados aqueles dias negros e aziagos em que o espírito amargara no limbo dos esquecidos da sorte, resolvera, como que a fugir da sua própria sorte, viajar para fora do Estado tomando rumos ignorados. Visava ele esconder-se de si mesmo e dos amigos que o conheceram na vida de opulência, perdido no fausto e viajando na sociedade que tão bem o acolhera. Pouco ou nada adiantaram os conselhos que seus amigos davam, ao mesmo tempo, para que permanecesse na cidade e refizesse a vida tão destroçada, missão de amigos conselheiros que pouco surtiria efeito naquele moço bom, educado, trabalhador e decente cumpridor dos seus deveres e obrigações, resolvendo-se que seria capaz de cometer uma loucura, se por acaso ali permanecesse, à vista e lançado ao opróbrio pela mulher, não se conformando de espécie e modo algum, em ver que seu lar havia sido destruído por uma mulher irresponsável a quem devotara toda uma vida.
Importava que o mundo o esquecesse que, para apagar dores e mágoas, só mesmo uma viagem longa e um lugar onde fixasse residência buscando refazer sua vida. Fixa-se na capital paulistana, tendo o povo esquecido de falar e comentar sobre sua vida e desdita. Entretanto, ao cabo de uns poucos anos, estourou a notícia na cidadezinha trazida por alguns conterrâneos que tinham, também, ido tentar a vida em são Paulo. Primeiras notícias de longe davam conta de que o rapaz vivia uma vida de opulência, tendo construído um patrimônio e refeito a vida naquela capital, de sorte que a sua riqueza anterior não se igualava, sendo proprietário de extensa frota e caminhões de carga e transportes, de causar inveja ao mais rico da cidade. A sua nova vida era pintada com cores mil, onde a fortuna era tida como coisa certa. Outras notícias davam conta de que não podia dizer o seu endereço porque senão a mulher tentaria procurá-lo e querer tomar toda a fortuna numa mais que provável ação de alimentos.
É assim que os anos impiedosos fazem a cidadezinha de ruazinhas tristes, esquecer nosso triste personagem, caindo num ostracismo terrível e num desconhecimento total sobre o seu paradeiro, sendo que a boataria e as especulações deram lugar a outras especulações meramente exercitando as capacidades das pessoas usarem a maledicências só encontradiça nos contos fantasiados de fadas e das mil e uma noites.
Aos mais íntimos e chagados, é bem verdade, Carlito fizera e endereçara uma ou duas caras e nelas procurava alimentar as fantasias que se de si faziam, sem, contudo, dar ou fornecer sequer seu endereço para respostas. Outros diziam que as cartas chegavam com manchas semelhantes a pingos de água, que o vulgo se encarregava de espalhar tratar-se de lágrimas. Naquelas cartas, ele perguntava por amigos íntimos, aqueles que viveram em seu lar e no seu círculo, ficando, porém, sem respostas, pois, não fornecia o endereço nem pistas deixava de onde eram postadas as cartas, algumas vindas de agências dos correios e telégrafos de cidades do interior, como se desejoso de despistar as pessoas que porventura fossem procurá-lo. Um véu de mistério haveria de encobrir aquele rapaz envergonhado pela desdita da sua esposa. Queria desaparecer e tão bem conseguira.
De repente, um dia, como todos temos uma encruzilhada, acontecem as coordenadas da sua existência. Carlito é encontrado numa obra civil, num dos espigões, então em construção, por um rapaz que havia deixado o Sítio dos Moços para ganhar a vida em São Paulo. Cruzados o caminhos, costumavam conversar diariamente e demoradamente nos poucos intervalos de descanso, onde confessam um ao outro serem da Bahia, tentando a vida em São Paulo. Assusta-se quando ouve o companheiro do Sítio dos Moços afirmar para ele que era filho da Itiúba, na Bahia. Mas Carlito não se surpreende. Abaixa a cabeça e nada responde. Como o rapaz tivera muito pouco tempo em Itiúba, pois morador a zona rural, não consegue ligar nada com nada quando Carlito identifica-se, dizendo quem era sendo absolutamente desconhecido para o companheiro coisa que não atinava de modo alguma a razão de Carlito andar cabisbaixo.
O mestre-de-obras convocara para o sábado todos os operários, garantindo o pagamento de horas extras e todos ficaram satisfeitos, sendo desejo da construtora terminar a construção do prédio em breves dias. Após o trabalho do sábado, todos cansados e suados, resolveram recebido o pagamento, tomar umas bebidas no boteco da esquina. Carlito já estava mais grogue que mendigo em festa de aniversário alheio desatando a língua e contando sua vida para todos os colegas. O rapaz lembra-se do caso, pede que lhe seja mostrada a carteira de identidade. Carlito num átimo de arrependimento desdiz-se, afirmando que era brincadeira e que conhecia o rapaz que fora traído, mas que conhecera todos, porque na época morava na cidade, mas nunca tal com ele se passara.
Coló ficou olhando do ponto de ônibus onde estava Carlito embarcar naquele que o levara ao seu destino ou à sua morada, cambaleante, ébrio de cachaça, alma lavada, trôpego e faminto.
Carlito agora evitava na obra qualquer conversa com o conterrâneo, ficara macambúzio, trabalhava denodadamente e não faltava um dia sequer ao trabalho. A saudade dos filhos corroa-lhe a alma por certo, sua saúde periclitava e seu físico debilitava pelo esforço de trabalhos pesados da construção civil e sua luta era o retrato e pressão viva de que tentava recuperar algo perdido em um ponto do passado, quiçá a volta à sua terra, mais respeitado e casado com outra para restabelecer-se cheio de moralidade e dizer àquela ingrata mulher que ele não havia sido destruído. Mas o álcool, a bebida em demasia, a fome e a miséria enfraqueceram seu ânimo.
Começa uma discussão no primeiro andar em construção. Carlito reclamava e um ouro operário que havia He surrupiado a pequena garrafa de cachaça crua da sacola, na hora do almoço. Engalfinham-se em luta corporal, levando nítida desvantagem para seu contendor. O colega operário esmurra Carlito, este não tem como desvencilhar-se, os colegas acorrem, separam os contendores. A luta acaba. Recomeçam o trabalho.
Apanhando massa e pedaços de bloco de cerâmica para atender a outro operário, de cócoras, lá está Carlito. Pé ante pé, um homem aproxima-se por trás sem ser visto, martelo de construção civil à mão, prepara-se para o golpe fatal. Afunda o crânio. Um filete de sangue jorra tênue, o corpo do operário estremece e se estrebucha, um gemido surdo sai da garganta, homens acorrem prendendo o criminoso. Polícia, levantamento cadavérico e investigação. Na sacola encontrada pendurada na parede da obra estavam uma pequena marmita contendo feijão e arroz além de um pouco de farinha d’água, um ovo frito e duas rodelinhas de tomate. No bolso direito d calça de nycron, dentro da sacola, foram encontrados uma carteira de trabalho, dentro desta uma cédula de identidade civil, um retrato amarelecido pelo tempo com uma dedicatória que dizia: “Ao meu querido Carlito, uma lembrança pálida da sua querida noiva.” Abaixo a assinatura pós dedicatória indicava ainda: Carminha.
Na identidade e na carteira profissional, á estava escrito o nome do seu portador. Carlito Pereira dos santos.
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