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segunda-feira, 20 de junho de 2011

CARMINHA VAI À ZONA

Os puteiros mau iluminados da Cacimba Funda, subindo pelo Alto do Calumbi e alcançando o Beco-do-quebra-faca viveriam naquela sábado de aleluia um dos momentos mais críticos e incríveis. Os bêbados parariam por momentos, a cachaça não desceria a glote, o engasgo seria fatídico e as putas não receberiam nenhum homem “pro durante menos de uma hora”. A notícia espalhara-se como se fogo de rastilho queimando pólvora e, um barril de maledicência rolaria de ponta a ponta, de casa em casa, de leito em leito, de família em família.

Os malandros agora já podiam disputar quem teria o privilégio de usufruir, como felizardo, de “traçar” dona Carminha. Estivera ela de passagem por sua vida de mulher casada, mas agora, pelo visto, resolvera soltar sua vocação reprimida, Semana passada fora vista em alguns bares bebendo cervejas e doses de conhaque de alcatrão de São João da Barra, coisa que causava espécie a qualquer mulher do seu tempo que entrasse em bares de qualquer cidadão e fizesse uso de bebidas.


No Alto do Calumbi, Maria Costeleta, famosa mulher de vida boêmia estranhara que naquele sábado de aleluia os patifes não apareciam na sua casa para a fornicação de todos os fins de semana, quando padeiros, vaqueiros, cachaceiros e viajantes, além de empregados do comércio que lá compareciam para usufruir, em filas bem comportadas sua vez de “enfiar bronca” na mulherada. Faziam-se filas para ver quem voltaria para casa após receber um pouco do “carisma” da meretriz. Algo estava errado, pois já passava das nove da noite e ninguém aparecia. Botando a cabeça fora da janela sua vizinha e companheira, lá estava sob a réstia do bibiano, de nome Donízia, braços cruzados apoiados na janela, olhar perdido e vago na imensidão da escuridão do pouco habitado Calumbi.


Maria Costeleta por sua vez saindo à janela foi interrogada por Dionízia sobre as razões de tanta ausência de “fregueses” naquela note.


Lelé estava no mesmo dia com sua casa vazia. Lamentava para Dionízia a situação, todas achando estranha tamanha situação, resolvendo mandar um seu filho menor de idade dar uma volta de bicicleta pela Cacimba Funda para que pudesse olhar de longe as casas. O menino corre de casa em casa, bordel em bordel e não avista movimento algum, retornando para dar a notícia para a mãe e a Dionízia.


A coisa era mais embaixo. Dazio não aparecera para beber cachaça nem descobrir alguma nova mulher que lhe aguntasse com a sua “estupidez humana”, comprazendo em desafiar aquelas infelizes ara fazer sexo e receber “tudo”.Homem extremamente bem dotado fisicamente, com um pênis que se dizia de fazer inveja às raças cavalares, era o terror e a inveja de muitos que acreditava que as mulheres só sentiam prazer com as dimensões descomunais dos seus membros. Poucos se importavam com o prazer, contanto que tivessem membros avantajados.


É verdade que as mulheres que serviam para as suas satisfações, eram, na sua exclusiva maioria, ninfomaníacas e anormais, mulheres chamadas de “vida fácil, as ditas meretrizes que haviam sofrido todos os tipos de sofrimentos, havendo até mesmo aquelas que se exercitavam e possuíam, também , a fama de serem as únicas que transavam com o Dazio. Bem verdade as que com ele transavam tinham sido vítimas de soldados e prisões onde, por motivos de prostituição em outras cidades, sofriam as mais sérias perversões, sendo nelas introduzidos porretes, cassetetes de borracha, mormente naquelas cidades aonde as meretrizes ficavam na zona central das cidades, transformadas em vítimas de chefes políticos que no afã de afastá-las mandavam e ordenavam que se fizessem toda sorte de barbaridades contra as infelizes.


Eram normais como qualquer mulher, mas poderiam suportar qualquer homem e terem prazer mais que, num sadomasoquismo infernal, recebendo a cada prisão cassetetes de borracha empurrados em suas vaginas que iam alargando membros e tendões. Terminando por criar verdadeiras aberrações de natureza sexual, havendo até mesmo aquelas que preferiam sair da cidade em cidade fazendo apostas, a desafiar homens avantajados para poderem ganhar polpudas quantias, senão teriam, a falta destes, de contentarem-se em comprar nas farmácias, muita pedra ume preparando banhos, forçando a que as paredes da vagina recolhessem, tornando-se espécies de semi virgens, mas falsas, para os apetites sexuais e os prazeres luxurientos da freguesia.


Era pois o Dazio um desses seres famosos e respeitados pelos seus dotes “cavalares” côo então se dizia, rapaz humilde, carregador de caminhões nas horas em que estava de folga, aqui entendido quando não estava bebendo nos puteiros da cidade.


Lelé não estava acreditando; Dionízia estava incrédula; o filho de Lelé não estava mentindo nem Maria Costeleta não estava doida, a coisa transcorria toda no Beco-do-quebra-faca tradicional zona de prostituição onde “seo” Pompílio alugava a maioria das casas para as putas fazerem as delícias da clientela.


Desnecessário dizer que naqueles dias não se tinha essas histórias de amor livre, noivo só tocava na “xeca” da noiva no dia do casamento e após, namorado quando cheirava a “bichinha” tinha que correr no outro dia para a casa dos pais da engraçada moça e dizer que queria casar com pressa, no fim do mês, porque queria r para São Paulo, de sorte que ninguém podia botar uma barriguinha com a filha do fulano, senão a coisa tomava rumos imprevisíveis, ou melhor previsível, do casamento ou da castração.


Tornaram-se pois os puteiros lugares naturais onde a rapaziada ia esquentar o “ferro”, transar com a mulherada transformando aqueles lugares movimentados e concorridos.Mas lá para as bandas do Beco –do- quebra- faca havia um imenso burburinho só, todas as putas em polvorosa enquanto os homens paravam em bochichos. Escurinho do Grotão, cabra valente e respeitado boêmio da zona com seu facão dezoito polegadas enfiado por dentro das calças folgadas de brim comprado na loja do “seo” augusto Moura, naquela noite filosofava enquanto descansava o largo cotovelo esquerdo sobre o balcão da casa de Joaninha Pelelê, dizendo para seus companheiros de farra, especialmente Dandu Cachacinha que “quem nasceu pra cavalo de carga, não podia ser esquipador”, entre sorvos de cachaça, álcool desdobrado com água do “seo” Joel Grande da rua dos Aristas, a famosa cachaça “mata guarda” ou “tampa de capuco”. Assim o burburinho ia escorregando, os chistes maldosos desciam até às pedras cabeça- de- nêgo, tomando rumo da Cacimba Funda, levantando quem já estava deitado, e, acordando quem já dormia, para acorrer ao Beco-do-quebra-faca para ver a novidade que os incrédulos não queriam acreditar ou simplesmente desejavam tão somente constatar quais Tomés da vida moderna.


O desvario social que costuma envolver as pessoas, não fala apenas e tão apenas, a mera solidariedade. O interesse mórbido das situações provoca a neurose latente nas pessoas em sociedade indo além da simples curiosidade. Antes, as massas ignaras buscam apenas a veracidade, constatando apenas para que seus olhos curiosos, possam comprazer com as misérias, tirando motivos desses fatos e vangloriando-se como vingança.


De repente, parada, estática e com uma garrafa de jurubeba Leão do Norte na mão, lá estava Maria-do-Ló na esquina a oferecer aos homens goles gratuitos, apregoando que assim estava procedendo porque naquela noite, toda especial, o Beco assistiria um espetáculo de rara oportunidade e que uma madame ia deixar a rua de casa e ouro para se tornar uma “puta”. A meretriz alegrava-se em sabe que dentro em breve, igualzinho a elas, uma senhora estaria vendendo o corpo e experimentando, no seu linguajar chulo, os sofrimentos que as mulheres de vida livre e fácil experimentam no seu dia a dia.


Todos já sabiam que a rua seria um silencio só e que os olhares estariam todos pregados sobre um casal ou uma pessoa só, embora a aura de mistério perpassasse em todos, entre estupefatos e incrédulos, entre crédulos e ciosos da verdade.


Ouviu-e um grito quase em uníssono. Chegaria ali uma mulher que a vulgaridade do ambiente proclamava uma linda mulher milionária que tinha deixado de ser casada e respeitada ara ser uma mulher dama,de vida fácil. A voz geral chamava e convocava aquelas almas do desespero, para que assistissem o espetáculo que não seria esquecido por longos anos.


Instante a instante alguém botava a cara na porta como se conferisse se já estava chegando. De repente, Macambira dá o alarma cheio de alegria e contentamento. Na penumbra do beco escuro e mau iluminado, uma sombra desenhou no que restava de visão indo bater diretamente na casa de comércio da esquina, de Pedro do Cansanção. Ao longe não dava para identificar nem de quem se tratava. Ao seu lado, cadenciado, caminhava um garoto de pouco mais de dezoito anos. O casal adentrou ao Beco-do-quebra-faca, andando sempre pelo meio do calçamento, a mulher de cabeça baixa conversava alto sobre os motivos e o rapazinho foi se chegando para o boteco da Isaura, antes passando pelo boteco da mãe do Mudo, e entraram.


Alguns sentados no ambiente sem iluminação ficaram estáticos e outros, perplexos. Ali estavam homens e mulheres que aguardavam pressurosos os acontecimentos.


_Isaura, me dá dois conhaques de alcatrão de são João pingado e com limão. Disse Carminha.


A velha meretriz apanhou o candeeiro e aproximou junto do casal parado ao pé do balcão, voltou as costas para o casal retornando com dois pequenos copos de vidro ensebados, sujos e fedendo a cachaça. Ao levantar as vistas amiudadas para o casal seus olhos pareciam não querer acreditar. Muda parada, cheia de vergonhas, pouco a vontade naquele ambiente a mulher não ousava olhar para os circunstantes e comprimia-se na sua prova de fogo. A luz da candeia soprada pelo vento que entrava pela porta do puteiro bateu na tez alva e bem cuidada da mulher.


Amiudou os olhos novamente a velha Isaura. No refletido dos olhos negros da mulher, a luz baça e rubra do candeeiro fifó, revelou para todos, uns olhos tímidos e ainda bonitos de D. Carminha.


Carminha já estava na zona.


****



Max B. Cirne Fevereiro, Itiúba, 1970.



1- Por “bibiano” entende-se uma espécie de lamparina muito usada nos sertões, alimentada a querosene, de luz avermelhada, em substituição a energia hidráulica, ainda não chegada na cidade. (N. do Autor).



2 - O autor faz referencia a diversos sinônimos como ainda hoje são denominadas as cachaças ordinárias que se vendem nos sertões, e eram engarrafadas na cidade. (N. do Autor).

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