Desde que foi construído tem resistido
bravamente e até teimosamente as investidas dos incorporadores, dos
construtores e de toda a sorte de especuladores dir-se-ia até que o casarão tem
resistido com denodo e invejável resistência para os seus carcomidos alicerces.
Poderíamos até dizer que resiste estoicamente, se fosse uma pessoa.
Sob sua imponente e miraculosa construção,
podem ser avistados restos já carcomidos da marca dos estacionamentos que só o tempo
inexorável se encarrega de causar. Os anos testemunham que viveu resistiu aos
modismos, mesmo quando pessoas deixaram
de procurar abrigo e acolhimento sob suas telhas quentes e paredes forjadas sobre as melhores
construções do seu tempo. Para suas dependências acorriam pessoas em alegres encontros,
amores nasceram, juras e promessas, de modo que suas paredes respiravam e
arfavam com as sabedorias e as excelências que por ali discordavam e discorriam,
sabedorias e saberes, entre sorvidos prazeres e descontraídos encontros risonhos
de um tempo que não volta mais.
De noite, lá longe, quase na ponta da
rua apagada, pode ser divisada a sombra projetada por uma lúgubre e estancada
luz mortiça, quase apagada, que lhe restou pelo poder público, enquanto a
ruazinha aonde se situa parece esquecida e desleixada pelos poderes
competentes. Seu telhado destiorado parece desabar ou pelo menos dá a impressão
de querer desabar, as telhas com aquele verde escuro do limo agarrado e
desleixadamente agarrado como a indicar o tempo e a ausência de outros
cuidados.
Sabe que incomoda. Fato é que, quando
da sua construção, na sua inauguração, para lá acorreu a mais fina flor da
sociedade a bisbilhotar, a olhar e a admirar o arrojo das suas construções, as
linhas modernas e as concepções belas empregadas, além de extremo bom gosto e
funcionalidade que denunciava o seu proprietário.
Mas o tempo corre. O tempo esse inexorável e invencível elemento o fez
desatualizado. Adiante, menos de um quarteirão foi aberta uma nova rua. Prédios
modernos e arrojados começaram a surgir em meio a condomínios fechados, cada
qual disputando qual a mais bela construção e modernidade. O velho casarão
quase que desafiando a lei da gravidade, já tem sido reclamado no departamento municipal
pela sua demolição, sob as mais serias desculpas como a de ser e estar
desatualizado, estar totalmente obsoleto e perigosamente a desafiar os perigos
advindos das chuvas e do tempo, pela incapacidade e os altos custos de uma
reforma que jamais o tornará um prédio de novo habitável do ponto de vista do
pós modernismo, fora dos padrões e de atualidade, além de oferecer perigo às
crianças que brincam nas suas cercanias e até mesmo o perigo que dizem
representar para os seus pobres moradores que ainda ousam, por ausência de
oportunidades outras, fazer ali morada. O velho prédio já é considerado um
indesejável, ele, exatamente ele que um dia entre feéricas luzes e o brilho dos
olhares cupidos almejaram se abrigar sob suas paredes e telhados.
Para sua definitiva tristeza o poder público
já decidiu pela sua demolição. O novo engole o velho. E a vida continua.
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