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quinta-feira, 10 de março de 2016
O VELHO ‘AMERICANO’
Conheci-o na minha adolescência. Era um negro retinto e sem
sobrancelhas, costumava apontá-las dizendo que era um africano, não
brasileiro, muito educado e cortês, parecia ser letrado e informado,
pronunciava umas poucas palavras que na época pensávamos fosse inglês,
vivia sempre maltrapilho, sujo e malcheiroso a andar lentamente, cabeça
baixa, um saco às costas ou um” boca pio” pendurado entre os dedos e se
fazia acompanhar da sua companheira de nome Celina a quem parecia
devotar grande amor e camaradagem, sempre reclamando das pessoas
que davam cachaça para ela aumentando a sua desdita.
Dona Celina viva sempre embriagada. De andar vacilante, ostentava
marcas de cicatrizes muito feias e profundas como se tivessem sido feitas
à faca. Dizia ser paraibana. Cambaleante costumava pedir esmolas
estendendo mãos pequenas à caridade pública. O velho Americano não
pedia. Mas não recusava quem as dava.
Moravam em algum moquifo lá para as bandas da Camandaroba.
Pareciam-me ser mais uns andarilhos. Não sabemos! O velho a que
chamávamos de “Americano” era carregado no sotaque que parecia de
uma pessoa letrada, e, de Salvador, acentuadamente chiado e
pronunciado.
Como passaram e desapareceram os trens da minha mocidade
cortando os sertões, assim também desapareceram na voragem e na
imensidão do tempo-mundo. Nunca mais os vimos. Esquecidos ou mortos
em algum lugar deste mundão de Deus, o velho “Americano” e sua
companheira devem ser hoje tão apenas poeira cósmica.
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